O conto de manaós.

Texto escrito em 10/05/2014.

Obs: a transcrição pode ter mudado algumas palavras ou termos isolados, mas tentou-se manter ao máximo a originalidade textual.

   Era um dia feliz e comum, tranquilo o suficiente para ser chamado de hoje (não de amanhã) e tão sólido quanto precisava para ser hoje (não ontem). As coisas do dia, todas elas, caminhavam para ser mais uma daquelas noite padrões com hippie dormindo na praia, indígenas na aldeia, o branco na cama e o negro na palha.

    Mas tudo mudou, no momento que nas claras cores da areia que circulavam as escuras dores do Solimões enquanto fazia suas bravas lutas com o Amazonas. O claro amarelou, o escuro acinzentou, o mortou voltou a respirar, o sumido retornou ao achado e o sentimento faminto ficou. Em outros tempos era um ser vivo-humano: forte, bonito e habilidoso. Hoje já não passa de um ser sobrevivente: fraco, desnutrido e faminto. O que antes era um guerreiro feroz, hoje só é um morto-vivo incapaz de viver a paz. Coletivismo? Amor? Respeito? Empatia? Paixão pela natureza? Isso que a sociedade lhe pedia, mas, naquelas loucas margens, não era o que se via.

    Logo depois desse ser sobrevivente, 2 ou 3 dezenas de indivíduos antes mortos e agora famintos estavam levantando daquela areia amarelada e daquele rio acinzentado.

    Em paralelo a essa realidade, tínhamos uma grande e amigável cidade adormecida. Com hippies na areia, negros na palha e brancos na cama. Adormecidos em sua perversidade peculiares e incoerentes, tudo parecia padrão e normal.

    As margens disso, na periferia desse paralelismo, os ritos já acabaram, os aprendizados realizados e os agradecimentos já tinham sido feitos. Contudo, aquela noite tava longe de ser comum, eram gritos e mais gritos que não tinham fim que, pior, só aumentavam. "Socorro"… Até que… todos… todos mortos, mortos mas não atirados no chão, aquelas 2 ou 3 dezenas se tornaram 8 ou 9 centenas de mortos-vivos, todos brutalmente assassinatos.

    De volta das margens, dentro do paralelismo, indo pro centro, estava ela: a bela e inteira. Era a cidade, que acordava perversa e cheia de hipocrisias. Afinal, quem estava nas margens? Quem morreu? Quem matou? Como chamariam quando 8 ou 9 centenas de seres vivos-humanos foram mortos? Er… acho que depende de quem são eles. Talvez 1 ou 2 unidades de brancos urbanos mereçam mais lágrimas que 8 ou 9 centenas de humanos marginais.

    Era para ser uma manhã comum, mas aquele dia mudou tudo. Mudou, a margens se ergueu, os calados gritaram, os surdos ouviram e os invisíveis se fizeram ver. Enquanto a geração B de Bebês chorava e berrava.

    A Geração J de Jovens ia de casa para escola.

    A Geração A de Adultos ia de casa pro trabalho.

    A Geração E de empregadas iam de casa para TerAPia.

    E a Geração I de Idosos iam de casa pra hidroginástica.

    As 8 ou 9 centenas de sobreviventes, famintos, mortos, vivos. Comeram as gerações BAJEI, uma cidade engolida por suas próprias margens, periferias esquecidas. Antes foram evitadas de ocupar, hoje retornam pro seu terreno de direito. Quem cria o centro? E as margens? Quem diz isso é quem cria o ponto de vista.